Luciano*, 40, nasceu e viveu a infância nos Campos Elíseos, bairro que engloba parte da chamada cracolândia paulistana. Segundo filho de uma família pobre, o que lhe fazia se sentir “indesejado” pelo pai alcoólatra (que hoje, nos Alcoólicos Anônimos, está há sete anos sem beber), era “ruim de bola” e vítima de bullying na escola estadual que frequentava, no bairro da Luz, que também abrange parte da cracolândia.
“Eu apanhava do meu irmão mais velho, batia no mais novo e apanhava mais ainda do meu pai. Ele era de pouca ideia, batia mesmo. E eu era o revoltado”, resume Luciano ao se lembrar de sua adolescência, no início dos anos 1990;
“Admitir que o problema é incontrolável”
O uso de álcool e drogas ilícitas, entre elas o crack, foi, segundo Luciano, consequência dessa “revolta”. Com o uso, veio a dependência química, fruto de uma “doença” que ele e a irmandade de apoio Narcóticos Anônimos (N.A.) classificam como “adicção”.
O CID-10 (Código Internacional de Doenças) da OMS (Organização Mundial da Saúde) não faz referência aos termos “adicção” e “adicto”. Em vez disso, em sua seção F, traz uma lista de distúrbios psíquicos provocados pelo uso de diversas drogas, como crack, cocaína, opiáceos, álcool e maconha, além de “fumo” (tabaco, com nicotina e alcatrão) e cafeína.
Luciano está “limpo”, como chama o não uso de drogas, há “20 anos, 6 meses e 16 dias”. Ele diz que sua vida só começou a “voltar pros eixos”, com a aplicação do “programa de 12 passos” da irmandade Narcóticos Anônimos.
Resumidos, os 12 passos consistem, basicamente, em (a) admitir a “doença da adicção” ou a dependência (e a impotência para lidar sozinho com ela); (b) acreditar em um “poder superior” (que pode ser Deus, a sociedade, a irmandade, o grupo que frequenta, a família etc.) capaz de oferecer o amparo necessário; (c) buscar o autoconhecimento, o contato com a “espiritualidade” (ou com o próprio psiquismo) e consequentemente, a origem de sua necessidade de recorrer às drogas, para, assim, procurar realizar mudanças comportamentais; (d) fazer reparações a pessoas que tenha prejudicado (e com isso enterrar sentimentos de culpa); e (e) orientar outros “adictos” a deixarem de usar (uma forma de não se esquecer das próprias mazelas e evitar recaídas).
Nada muito diferente, enfim, do que seriam os objetivos e/ou as “etapas” de um tratamento psicoterapêutico regular. “A diferença é que é de graça”, brinca Estela*, 30. “Se o N.A. fosse pago, acho que teria fila na porta”, diz ela. De todo modo, a ajuda de grupos de apoio não substitui o tratamento médico.
fonte: uol